O Sesc Pompeia acaba de inaugurar a exposição bauhaus imaginista: Aprendizados Recíprocos. A mostra é um dos quatro “capítulos” do projeto internacional que comemora o centenário da Bauhaus, a inovadora escola de arquitetura, artes e design, que foi fundada na Alemanha em 1919 e fechada pelo regime nazista 14 anos depois.
A parceria da Bauhaus Cooperation, do Goethe–Institut e da Haus der Kulturen der Welt (HKW), de Berlim, abrange diferentes exposições, simpósios e debates que estão percorrendo desde o mês de março países que foram influenciados pela pedagogia da Bauhaus, como Japão, China e Rússia. O objetivo é explorar intercâmbios transculturais entre os diversos movimentos globais de reforma que enxergavam na arte um agente de mudança social. No próximo ano, uma mostra reunirá todas as obras de bauhaus imaginista em Berlim.
O projeto tem curadoria de Marion von Osten (Berlim) e Grant Watson (Londres), com apoio dos pesquisadores Luiza Proença (São Paulo), Maud Houssais (Rabat), Anja Guttenberger (Berlim), Elissa Auther (Nova Iorque) e Erin Alexa Freedman (Nova Iorque).
APRENDIZADOS RECÍPROCOS
Apresentando cerca de 30 artistas e 300 trabalhos – entre cerâmicas, têxteis, desenhos, utensílios populares, livro originais da biblioteca da Bauhaus, cartazes, fotografias, publicações, correspondências e vídeos –, o “capítulo” Aprendizados Recíprocos conta com contribuição da curadora, pesquisadora e escritora Luiza Proença, que já ocupou cargos de curadoria no Museu de Arte de São Paulo (Masp), na 31º Bienal de São Paulo e de projetos no Instituto Lina Bo e P.M. Bardi.
Tendo como ponto de partida a obra Tapete (1927), de Paul Klee, um pequeno desenho com tinta nanquim, que evidencia o interesse do artista alemão pelas artes decorativas e culturas populares tradicionais, a mostra brasileira explora o papel desempenhado pela apropriação cultural, tanto no período da Bauhaus como seu no legado posterior, e investiga as relações entre arte e o artesanato populares e pré-coloniais com professores e estudantes emigrados da instituição.
Tapete se relaciona com a trajetória da Escola de Belas Artes de Casablanca, no Marrocos. O país tinha conquistado a independência da França havia apenas seis anos, quando o artista Farid Belkahia se tornou diretor da escola, em 1962, iniciando uma transformação pedagógica radical, baseada nos métodos da Bauhaus. O programa afirmava a necessidade de descolonizar a cultura marroquina, chamando a atenção para as artes manuais, como a confecção de joias, tapetes e cerâmicas, além de práticas arquitetônicas tradicionais do norte da África, como os murais berberes.
O núcleo destaca a pintura em óleo sobre cartão da série Os Espelhos (1967), de Ahmed Cherkaoui. Interessado pela caligrafia islâmica, cerâmica marroquina e tatuagens e ourivesaria dos berberes, ele se tornou modelo de toda uma geração de artistas do país. Também são mostradas Ritmos (1964), aquarela sobre papel Farid Belkahia, e serigrafias (1975) de Mohamed Melehi.
Nos Estados Unidos, acompanhamos a trajetória de diversos artistas, começando pelo casal de professores da Bauhaus Josef e Anni Albers, que foram convidados para darem aula no Black Mountain College, na Carolina do Norte, em 1933. Durante o período em que estiveram por lá, fizeram diversas viagens de pesquisa para Cuba, México, Peru e Chile, documentando e coletando obras pré-colombianas e de culturas indígenas contemporâneas, que tiveram grande influência em seus trabalhos e aulas. Na exposição, vemos uma série de fotografias (1949) de Josef Albers de peças em terracota registradas em um museu da Cidade do México, outras que exploram a geometria das mantas dos navajos, povo indígena da América do Norte (1938), bem como a fachada de tijolos da parede de uma loggia (espécie de pórtico ou galeria), inspirada em antigos sítios arquitetônicos (1967).
Fugida da perseguição dos nazistas, a aluna francesa da Bauhaus Marguerite Wildenhain se estabeleceu na Pond Farm, uma colônia de fundada nos anos 1940, no norte da Califórnia, que combinava trabalho artístico, educação, agricultura e vida em comunidade, em um espelho do Black Mountain College. Professora de técnicas de cerâmica na escola, ela pôs em prática a intensidade de suas experiências na Bauhaus, fazendo seus alunos moldarem milhares de vasos no torno para adquirirem sensibilidade para a argila (eles eram proibidos de ficar com amostras do próprio trabalho). Uma coleção de cerâmicas de Wildenhain, datadas de 1950 a 1970, são exibidas ao lado de desenhos feitos por ela (1930-1985) e de materiais pré-colombianos coletados durante suas viagens pela América Central e do Sul.
Já a norte-americana Sheila Hicks, aluna de pintura de Josef Albers na Yale School of Art, em Connecticut, viajou pela América Latina até o Chile, entre 1957 e 1959, escrevendo diários, desenhando, fotografando sítios arquitetônicos e coletando amostras de tecidos, que influenciariam as obras Cinta, de 1958, selecionadas para a mostra. Ela também deu aula de design e cores para alunos da faculdade de arquitetura da Universidad Católica de Santiago e suas experiências são reveladas no filme Abrindo o acervo (1995), de Cristobal Zañartu.
A cultura inca foi o foco do trabalho tecelã americana Lenore Tawney. Sua obra abriu espaço para materiais como penas e contas e foi com a técnica peruana de tecelagem em gaze que ela criou Forma negra trançada (1969) e Rio Pequeno II (1968), com fios monocromáticos e estrutura linear, em aparência minimalista. Junto dos trabalhos, estão expostos objetos do acervo pessoal da artista, como anotações sobre arte indígena americana, um cartão-postal do Peru, desenhos de viagem, documentação fotográfica de tecelagem em tear e um vaso pré-colombiano.
Cruzando a fronteira em direção ao México, conhecemos a história do casal Hannes Meyer, suíço, e Lena Bergner, alemã. Depois de viverem na Alemanha (ele, arquiteto, foi diretor da Bauhaus), União Soviética e Suíça, eles se estabeleceram na Cidade do México, em 1939. Meyer se tornou diretor do departamento de planejamento urbano, enquanto Lena Bergner dava aulas de tecelagem em diferentes instituições locais de educação. O casal inaugurou a editora La Estampa Mexicana, com o objetivo de disseminar o trabalho do Taller de Gráfica Popular (TGP), um coletivo de artistas que apoiava a luta de classes e as metas sociais revolucionárias, produzindo lino e xilogravuras simples. No décimo aniversário da editora, Meyer, Bergner e os artistas gráficos do TGP editaram uma publicação comemorativa que detalhava o trabalho do coletivo e pode ser vista em Aprendizados Recíprocos.
O Brasil é o ponto final da exposição e a arquiteta Lina Bo Bardi (autora do projeto do edifício do Sesc Pompeia), o ponto central do núcleo. Em 1951, ela fundou com Pietro Maria Bardi e Jacob Rutchi, no Museu de Arte de São Paulo (Masp), o Instituto de Arte Contemporânea (IAC), primeira escola de desenho industrial do país, com conceito e atividades explicitamente influenciados pela Bauhaus. A abertura da instituição, inclusive, foi marcada por uma exposição de Max Bill, ex-aluno da Bauhaus, no Masp.
Lina acreditava que as artes manuais tradicionais, compreendidas como forma de inovação tecnológica surgida da mão do povo, deveriam formar a base do desenho industrial brasileiro. Ela formou uma grande coleção de utensílios da “cultura popular”. Muitos vinham de feiras de rua, centros agrícolas e comunidades indígenas e afro-brasileiras, de diferentes cidades do nordeste do país, coletados principalmente na época em que foi diretora do Museu de Arte Moderna da Bahia. Além de uma pequena amostra destes objetos, está na exposição sua Cadeira de beira de estrada (1967).
Também estão na seção brasileira obras de artistas associados ao Grupo Frente, incluindo Lygia Pape, Lygia Clark e Hélio Oiticica, e trabalhos desenvolvidos na escola de arte do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM–RJ), criada em 1952 sob o comando de Ivan Serpa. Outro trabalho de destaque é a instalação criada por Paulo Tavares. Des-Habitat questiona o modo como a arte e o artesanato indígenas apareciam no discurso e no imaginário modernos na Habitat, revista de arte e design criada pela arquiteta Lina Bo Bardi em 1950.
Participam de bauhaus imaginista: Aprendizados Recíprocos os seguintes artistas: Anni Albers, Josef Albers, Arthur Amora, Susie Benally, Farid Belkahia, Lena Bergner, Lina Bo Bardi, Ahmed Cherkaoui, Lygia Clark, Rogério Duarte, Saul Elkins/Morteza Rezvani, Trude Guermonprez, Abdellah Hariri, Sheila Hicks, Paul Klee, Elisa Martins da Silveira, Mohamed Melehi, Hossein Miloudi, Hannes Meyer, Sibyl Moholy-Nagy, Hélio Oiticica, Lygia Pape, Geraldo Sarno, Ivan Serpa, Paulo Tavares, Lenore Tawney, Marguerite Wildenhain, Sol Worth/John Adair, Cristobal Zañartu.
A exposição é realizada pelo Sesc São Paulo, em parceria com a Bauhaus Kooperation Berlin Dessau Weimar, o Goethe-Institut e a Haus der Kulturen der Welt (HKW), de Berlim. O projeto de bauhaus imaginista tem o apoio financeiro do Ministério da Cultura e da Imprensa do Governo Federal da Alemanha, da Fundação Cultural Federal Alemã e do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha. A organização de bauhaus imaginista é uma colaboração com o Museu de Design da China, em Hangzhou; com a Instituição Administrativa Independente do Museu Nacional de Arte / Museu Nacional de Arte Moderna de Kyoto; e com o Garage Museum de Arte Contemporânea, de Moscou. Entre parceiros no exterior estão o Goethe-Institut da China, de Nova Déli, Lagos, Moscou, Nova York, Rabat, São Paulo e Tóquio.
bauhaus imaginista: Aprendizados Recíprocos
- Sesc Pompeia: Rua Clélia, 93 – Área de Convivência
- Visitação: 25 de outubro a 06 de janeiro de 2019
- Horários: Terça a sexta, 10h às 21h30. Sábado, domingo e feriado, 10h às 18h
- Para agendamentos de grupos: escreva para o e-mail agendamento@pompeia.sescsp.org.br ou ligue para (11) 3871 7759
- Entrada gratuita